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Matéria Escrita para Revista Ênfase - Dezembro 2015
Projetar e Construir
Se você quer construir uma residência, o primeiro passo (se possível) antes mesmo de comprar um terreno, é consultar um arquiteto. Digo isso porque o arquiteto, baseando-se nos sonhos, necessidades e orçamento que você tem, deve lhe ajudar na escolha do terreno, considerando a área necessária, o local ideal e principalmente a topografia. É comum comparar terrenos levando-se em conta apenas a área quadrada e o valor total do mesmo, sendo que, com uma simples conta de dividir, obtém-se o valor do metro quadrado. Porém, há muitos outros fatores a se considerar, como a localização e suas respectivas restrições urbanísticas (recuos, taxas e índices), o formato e proporções do terreno, posição geográfica (por questões de insolação), seus ângulos, o tipo de solo e principalmente a topografia. Ocorre que muitas vezes sou consultado com o terreno já adquirido, mas isso não impede que o projeto seja feito e, ainda assim, atenda às expectativas.
Muitas pessoas compram o terreno, contratam um serviço de terraplenagem para “plainar o terreno” e depois procuram um arquiteto. Essa situação deve ser evitada ao máximo. O projeto, sempre que possível, deve anteceder a terraplenagem. O projeto deve respeitar ao máximo a topografia do lote de modo a evitar grandes cortes, aterros e muros de arrimo, sendo que a terraplenagem (se necessária) é que deverá ser definida pelo projeto e não o contrário.
Depois da escolha do terreno, o próximo passo é contratar um agrimensor (topógrafo) para fazer um levantamento planialtimétrico. Ele é de suma importância para a criação e o desenvolvimento do projeto. Esse levantamento fornecerá ao arquiteto todas as informações de níveis, ângulos, dimensões, insolação, localização de postes, árvores, bueiros, bocas de lobo, etc.
Tendo-se o terreno e o levantamento planialtimétrico, o próximo passo é responder todas as perguntas do arquiteto. Para isso, é preciso conversar muito em família a respeito da obra, também considerando sonhos, necessidades e orçamento. Quando digo em família, me refiro apenas àqueles que efetivamente vão morar na casa. Evite abrir a discussão para outros, mesmo que “chegados”. Nessa fase você deverá definir também o estilo desejado. Isso não é fácil, pois existem vários estilos arquitetônicos e nem sempre os estilos são conhecidos popularmente pelos termos corretos. O ideal é vasculhar a internet, comprar revistas e fotografar tudo que você acha bonito. Nesta fase, faça isso intensamente. Depois selecione o material, definindo e guardando apenas o que mais gostou. Esse material ajudará muito o arquiteto a entender o estilo de sua preferência. Feito isso, todas as informações deverão ser passadas ao arquiteto.
No meu caso, desenvolvi um questionário com mais de 50 perguntas para poder lhe ajudar a organizar todas as informações necessárias. Entre elas, estão perguntas sobre diversos ambientes, estilos, cores, costumes, necessidades, móveis, eletrodomésticos, hobbies, animais de estimação, etc…
Quando meus clientes estão preenchendo o questionário, é muito comum surgir uma incompatibilidade entre o que se pretende ter na casa e a área pré-estipulada. Geralmente o que acontece é que a área pretendida acaba sendo insuficiente para todos os ambientes que se pretende ter. Lembre-se que, além dos ambientes, uma casa possui áreas de circulação e as espessuras das paredes também contam na metragem da casa.
Por muitas vezes, diante desse problema, temos que decidir se vamos aumentar a área pretendida ou se vamos diminuir quantidade ou tamanho dos ambientes. Nesse caso, é importante lembrar-se que nem todos os ambientes geram os mesmos custos numa obra. “Cortar” um pequeno banheiro pode trazer muito mais economia do que “cortar” um grande dormitório…
Uma dúvida muito comum é se a casa deverá ser térrea ou assobradada. É muito comum imaginar que o sobrado custa mais caro do que a casa térrea, mas isso não é uma regra. Pelo contrário, uma casa térrea pode custar mais do que um sobrado – isso dependerá de alguns fatores como topografia, telhado (uma casa térrea tem praticamente o dobro de telhado de um sobrado) e outros fatores.
Muitas vezes, a ansiedade em definir tudo de antemão deve ser evitada. Alguns itens, como muros de divisa, por exemplo, poderão ser definidos posteriormente. Após levantar e cobrir a obra, podemos obter uma noção melhor da altura dos muros em relação à vista e à privacidade desejadas. Outros itens, como sistema de aquecimento, métodos construtivos e materiais de acabamento poderão ser definidos em uma etapa posterior.
É bastante normal que haja dúvidas em alguns itens, sendo necessária uma orientação técnica para elucidar alguns conceitos que vivem perdidos entre mitos e verdades. O sistema de aquecimento, por exemplo, é um deles. É muito comum imaginar que um sistema de aquecimento solar sempre irá gerar uma importante economia de energia. É preciso saber que esse sistema não é autossuficiente e interage com um apoio elétrico que é acionado automaticamente por um termostato, sempre que a água está numa temperatura abaixo do desejado. Dependendo de uma série de fatores, o sistema solar poderá até mesmo trazer um acréscimo na conta de luz.
Depois de muita pesquisa, muita conversa em família e algumas orientações técnicas, estaremos com o questionário preenchido, e junto com levantamento planialtimétrico teremos todas as informações necessárias para começar a fase de estudo do projeto.
Mas ATENÇÃO: Depois de preencher o questionário PARE de consultar internet e comprar revistas, caso contrário, diante de infindáveis informações novas, você desejará alterar o projeto antes, durante e depois do processo de criação.
A fase mais importante de todas que compreendem um projeto é a fase de estudo. Nessa fase deve haver muita interação entre o arquiteto e o cliente, e apesar de toda ansiedade gerada em “começar logo a obra”, essa é a fase em que não podemos ter pressa. Como o nome já diz, nessa etapa temos que ESTUDAR o projeto. Essa é a única fase em que cabem alterações no desenho. Depois do projeto pronto, alterações podem acarretar problemas com a prefeitura e custos desnecessários. Nessa fase o projeto será inicialmente estudado em “planta baixa” com layout de móveis e equipamentos. Inicialmente procuro não colocar as medidas na planta para que o cliente não “saia medindo” sua própria casa e não compare tamanhos. Costumo dizer que não estamos valorizando tamanhos dos ambientes, mas sim o planejamento dos mesmos. Em outras palavras, você pode ter um cômodo enorme e mal planejado, onde não se consegue colocar o mínimo de móveis e equipamentos necessários para tal ambiente. No entanto, eu posso projetar um cômodo de pequenas dimensões, porém planejado de forma em que todos os móveis e equipamentos necessários para esse ambiente estejam dispostos de forma confortável. Um ambiente não é confortável ou desconfortável apenas pelas suas dimensões, mas também pelo planejamento, onde contam a quantidade e posições de portas, janelas, e o layout dos móveis e equipamentos.
Conforme o projeto está sendo definido em “planta baixa”, uma imagem externa tridimensional (perspectiva ou 3D) está se formando, e quando pronta ilustrará perfeitamente a volumetria, as proporções, o equilíbrio e o estilo da casa como numa fotografia. A imagem em 3D é de suma importância para o entendimento do projeto por parte do cliente. Como sou formado há mais de vinte anos, sou da época em que não existia o recurso computadorizado de imagens “3D”, por isso, apresentava em todos os projetos uma perspectiva feita à mão com nanquim numa técnica em que não há distorção do desenho em relação à imagem de uma futura foto da casa já construída. Hoje, contando com os recursos computadorizados, conseguimos dar mais realismo a essas imagens, de forma que muitas vezes é possível confundir um desenho com uma foto.
Com o estudo pronto, temos material suficiente para analisar minuciosamente o projeto antes de partir para a planta de aprovação na prefeitura. É muito importante analisar sem pressa, pois nessa etapa enviaremos o projeto para a prefeitura aprovar. Para se protocolar um processo de aprovação na prefeitura, temos que confeccionar o projeto no padrão do município, preencher uma série de formulários, pagar taxas e aguardar a aprovação ou a expedição de um comunique-se. O comunique-se acontece todas as vezes que, ao analisar o projeto, o engenheiro da prefeitura avalia que algum item precisa ser alterado. O processo de aprovação na prefeitura pode levar em média de 15 a 60 dias, dependendo da situação. Na aprovação do projeto, a prefeitura irá calcular uma taxa de emolumentos a ser recolhida. Mudar o projeto depois de aprovado pela prefeitura é no mínimo desgastante, mas às vezes pode ser também dispendioso ou até mesmo inviável.
Enquanto o projeto está em trâmites de aprovação na prefeitura, é importante definir as diretrizes principais da obra, como sistema construtivo (se não foi definido ainda), principais materiais, mão de obra e fornecedores. Desta forma é possível saber com mais precisão o custo total da obra. O ideal é ter a verba total disponível, ou seja, todo dinheiro da obra para início, meio e fim. Paralisar uma obra nem sempre é aconselhável e financiamento para construção é extremamente burocrático e complicado. Já vi muitos projetos não saírem do papel por causa da burocracia e exigências do financiamento, por isso não aconselho buscar este tipo de recurso.
A obra somente poderá ser iniciada após a aprovação do projeto na prefeitura. O início da obra pode parecer um pouco frustrante. Primeiramente, porque custa caro e tudo o que é executado não aparece muito; depois, porque há um incrível efeito de Ilusão de ótica na fase dos baldrames, em que os ambientes parecem muito menores do que realmente são. Muitos proprietários entram em verdadeiro pânico quando visitam suas obras nessa fase. Se eu pudesse, pediria ao proprietário para não aparecer na obra durante essa fase. Aliás, desculpem a sinceridade, mas muitos dos problemas que surgem nas obras originam-se da presença constante dos proprietários em suas obras, principalmente quando o proprietário interage diretamente com os pedreiros e outros prestadores de serviço. Então surgem alterações decididas diretamente entre proprietário e pedreiro, e essas alterações quase sempre causam problemas. Mas para quê provocar problemas se o acompanhamento técnico do arquiteto serve justamente para evitar tais problemas? O que acontece é que mesmo sendo alertados, muitos proprietários visitam suas obras com uma frequência compulsiva, e várias vezes resolvem fazer alterações “lá mesmo com os pedreiros”, não querendo “perder tempo” de consultar o arquiteto. Nessas situações, é comum encontrar problemas do todas as espécies: desde clientes que mandam aumentar o pé-direito de um pavimento, esquecendo-se que a escada que dá acesso ao pavimento superior não terá mais degraus suficientes para atingir a nova altura da laje, até clientes que agendam instalações de piso laminado antes mesmo do término do telhado. Houve casos em que o cliente queria colocar os azulejos antes das instalações hidráulicas.
O acompanhamento técnico do profissional na obra é necessário e obrigatório. O controle feito pela Prefeitura, Associação dos Arquitetos e Engenheiros e Conselho dos Arquitetos e Urbanistas é feito através de uma caderneta de obras. O termo de abertura dessa caderneta é exigido para que se protocole o projeto de aprovação. A caderneta deve permanecer na obra e nela deverão ser anotadas todas as observações, até que a obra esteja apta a receber o Habite-se. Para recebê-lo, é necessário juntar à documentação o termo de conclusão da obra devidamente preenchido. Esse termo também encontra-se na caderneta de obras.
Algumas etapas da obra são interessantes. A fase de alvenaria rende bastante até certo ponto, sendo que perde um pouco de velocidade somente perto do momento de se colocar a laje. A fase de gesso é rápida, e apesar de sujar a obra, causa aquela boa impressão de se ter paredes lisas e brancas. Nessa fase a obra ganha bastante luminosidade e amplidão. Pessoalmente acho a etapa dos pisos e azulejos uma das melhores, mas até mesmo essa etapa tem seus problemas. Por exemplo: quando o proprietário vê o azulejo colocado antes de ser rejuntado, sempre acha que está mal assentado, mas quando vê o azulejo rejuntado tem uma impressão bem melhor. Sendo assim, nem todas as fases da obra são prazerosas de se acompanhar. Algumas dão a impressão de mal executadas enquanto não estão totalmente concluídas, outras são demoradas demais, outras ainda, quase não “aparecem”, principalmente no finalzinho da obra, quando a ansiedade aumenta e a obra parece estar quase pronta, mas “demora muito” para ser entregue. Porém, vale a pena “segurar a ansiedade” e aguardar o término da construção, pois a alegria de uma obra concluída é quase comparável à alegria de um filho que nasce. Aliás, da mesma forma que nos vemos em nossos filhos, eu diria que, em muitas ocasiões, podemos nos ver em nossas casas, pois elas refletem nossos gostos e nossas personalidades.
Carlos Ferolla
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